2.8.10

A Hora Certa - Resposta a Rogério Parreira

No começo de julho, enquanto 6 indivíduos tentavam lutar para realizar a Jornada Paraense de Cineclubes, o realizador Rogério Parreira envia o seguinte email endereçado aos coordenadores do Inovacine que realizariam dentro da Jornada a "Mostra Novo Cinema Paraense":

A Pélicula mais premiada da História do Cinema Paraense o Curta-Metragem "Chama Verequete" foi esquecida pelos organizadores da jornada? e sem dúvida alguma é a que mais dialoga com a tradição e riqueza do Cinema Novo Brasileiro, onde as nossas raízes amazônicas profundas são expostas através do venerável Mestre Verequete.
 
Saudações Fraternas

Isso obviamente causou um desconforto tremendo na organização da Mostra, que chegou num consenso de que não deveríamos nos desgastar respondendo agressivamente ao email, que isso era evidentemente uma manobra para desmobilizar a construção da Jornada (que já enfretava problemas mais sérios é verdade) e que era preciso esperar uma hora mais apropriada para trazer essa questão seguindo os  princípios de "maturidade política" e do "sacrifício pelo coletivo". Mateus Moura resolveu então responder da seguinte forma:

A nossa metodologia de curadoria da Mostra privilegiou a diversidade de autores, como o Luiz Arnaldo Campos já está presente com o filme "A descoberta da Amazônia pelos turcos encantados", preferimos dar espaço também a outros cineastas e outros cinemas. Não privilegiamos também obras pelo seu histórico de prêmios, tal categoria de avaliação não tem nenhum valor crítico dentro da proposta.
 
Obrigado pela participação, compareça.

Esta resposta foi treplicada por um email com o histérico título AS TREVAS E A CURADORIA DA MOSTRA DA JOPACINE:
Em primeiro lugar gostaria de não levar em consideração o principal argumento levantado pela da mostra do JOPACINE, em relação a questão autoral, até porque tb sou um dos realizadores do curta e tenho plena consciência que o principal protagonista do filme, o nosso poeta Augusto Gomes Rodrigues (Mestre Verequete) e seu Carimbó de raiz é que está sendo omitido, na mesma freqüência com que os inimigos do Povo, tentaram historicamente proibir curadoriaas manifestações culturais populares em nome de uma cultura colonizadora. E ainda hj  mentes colonizadas (seja pela américa do norte ou pela europa) tentam desconhecer o indelével valor de uma cultura popular que tem muito a nos ensinar através da sua sabedoria, música, poesia, ritmos, cores e sonhos. Acredito que o curta-metragem "Chama Verequete" não pertence a mim nem ao Companheiro Luiz Arnaldo Campos, mas sobretudo é um rico Patrimônio da Cultura Popular Paraense, Amazônica e Universal, um filme que pertence ao coração do Povo Paraense que ao longo de sua história tem gerado só no estado do Pará mais de 150 manifestações culturais originais, mais ainda pouco reconhecidas. Segundo o Cineasta Júlio Bressane o "Cinema é a música da Luz" e a mostra da JOPACINE vai permanecer nas trevas se omitir o Ritmo-Raiz do Pará (Carimbó), o Farol que sempre brilhou e iluminou a nossa poesia cantada por Verequetes e Lucindos que virou Cinema e nunca morrerá, porque a luz que nasce no coração é eterna e a ignorância que brota na escuridão se destrói por si mesma.

Rogério José Parreira.

Pois bem,
passada a JOPACINE acredito que a hora de responder a sério estas acusações chegou. Pessoalmente nunca fugi de uma boa discussão (especialmente quando o oponente se joga na minha frente numa bandeja, com uma maçã na boca) e o fato de ter segurado essa resposta por tanto tempo me inquietou o espírito consideravelmente.
Destaco entretanto que esta resposta é escrita pelo cidadão Miguel Haoni curador da mostra. Não tenho nem vontade e muito menos, autoridade para escrever em nome do projeto INOVACINE ou mesmo pela Associação Paraense de Jovens Críticos de Cinema. Tudo que eu escrever está dentro de uma perspectiva pessoal dos fatos, e apenas EU respondo por estas palavras.

Let's rock:
A "Mostra Novo Cinema Paraense" que foi transferida para os dias 4, 5 e 6 de agosto no IPHAN (em virtude de problemas logísticos da JOPACINE) foi montada seguindo tais princípios de curadoria:
1 - Reunir 9 obras de 9 realizadores diferentes que poderiam oferecer uma fatia da diversidade na produção cinematográfica paraense dos últimos 10 anos. Nunca pretendemos (em virtude das limitações de tempo) exibir dentro da Mostra todos os filmes paraenses dos últimos 10 anos.
2 - Dentre a seleção dos realizadores participantes, privilegiar aqueles que nunca tiveram seus filmes exibidos nas ações do Inovacine. Darcel Andrade, Priscila Brasil, Francisco Weyl e Marcelo Marat já apareceram em outras ações nossas mas ainda assim constituem minoria dentro da programação. Além do que são relativamente poucos os cineastas paraenses que nunca entraram ou que não estão agendados em nossas programações.
3 - Através do diálogo direto com os realizadores selecionar os trabalhos mais recentes para a programação. Jorane Castro e Fernando Segtowick preferiram propor títulos mais antigos dentro de suas filmografias, acredito, por considerarem tais obras mais significativas para o debate que nós propusemos, no caso o da estética do cinema paraense.
4 - Organizar 3 filmes que juntos dariam por volta de 90 minutos de exibição por dia.

Esclarecidos estes critérios vamos aos emails:

Ao ser perguntado qual de seus filmes era o seu predileto, o italiano Federico Fellini respondeu que nenhum, afinal "desconfiava consideravelmente de um pai que se delicia com os próprios filhos". Eu compartilho desta desconfiança e um cineasta que entra em delírios de vaidade por suas próprias obras acaba perdendo o bom-senso e na sua ânsia defensiva, viola ainda mais a dignidade do trabalho. Acredito que qualquer artista precisa defender e lutar pela sua obra mas a histeria vaidosa só compromete a argumentação. Defender-se com violência sem ser atacado é como um belíssimo gol contra.

Ostentar prêmios não me soa como postura de realizador engajado na produção local e soíicito àqueles filmes que, por não serem tão reconhecidos, precisam e muito de uma mostra como esta para serem exibidos. Isso é puro egoísmo. Como curador entretanto não coloco estas questões na balança pois prêmios em festivais significam muito pouco no que me interessa dentro do cinema. "Senhor dos Anéis" fala artisticamente infinitamente menos do que qualquer filme de Alfred Hitchcock que nunca ganhou prêmios por seus filmes. Também desconfio e muito dos critérios de determinadas premiações: assistam o sub-documentário "Malabares"  de Maithê Lorena & Secy Januzzi e depois contem o número de prêmios que este "filme" ganhou. É apavorante!

O curta metragem "Chama Verequete" não foi de forma alguma "esquecido" ou "omitido". Ele simplesmente não entrou nesta programação como diversos outros filmes que caberiam na proposta. Apesar de "Chama Verequete" ter tido uma visibilidade tremenda dentro da cidade na última década, sempre me mostrei favorável dentro do Inovacine a exibir e debater este filme. Espero poder incluir a obra numa de nossas programações na capital ou em outros municípios do Estado.

Quanto ao diálogo com a "tradição e riqueza do Cinema Novo Brasileiro".... bem, não queria fazer nenhum comentário sobre a estética da obra mas...diálogo com o sub-cinema novo de "Macunaíma", "Amuleto de Ogum" ou "Bye Bye Brasil" com toda certeza. Agora se neste comentário, o cineasta quis colocar seu filme em pé de igualdade com obras como "Rio Quarenta Graus", "São Bernardo" ou qualquer filme do mestre do CINEMA Glauber Rocha então o delírio de grandeza é muito pior do que eu pensava. "Chama Verequete" é um filme desconjuntado no pior sentido da palavra (e não confunda com a desconstrução do Cinema Moderno), suas virtudes são absolutamente extra-cinematográficas. A pouca ousadia poética que o filme respira com certeza não depende do realizador de "Puxirum" ou "O Cordão do Galo", filmes instiucionais que denunciam todos os cacuetes do telejornalismo político de quinta categoria que o realizador pratica. Eisenstei também fazia filmes institucionais, mas a diferença é que o russo era um ARTISTA e fazia filmes com a ALMA e o SANGUE. Ia contra tudo e todos para imprimir a sua visão nas obras que realizava. Tal AMOR definitivamente não se observa nas obras de Parreira. Apenas a preguiça e o acanhamento.
Por vezes ouço alguns indivíduos bradarem o nome de Glauber e do Cinema Novo na tentativa de respaldar a sua atuação pífia como sub-poetas da imagem. Reduzir Glauber a "herói do povo" ou sociologia/antropologia/ciência política filmada é reduzir um artista (que para mim como amante de arte, é o sujeito mais importante de sua comunidade) a seu aspecto mais superficial e ralo. Glauber Rocha é um mestre do Cinema como John Ford, Andrei Tarkovsky, Kenji Mizoguchi e diversos outros que foram fundamentais para a sensibilização e o crescimento dos homens no século passado e, acredito, nos próximos. Se colocar no meio desse time é estupidez e covardia consigo próprio.

O cinema é uma arte coletiva, entretanto existe um profissional na equipe que se destaca dos outros pela importância e pela influência poética no resultado final. Este seria então o autor do filme e no caso aquele que direciona o trabalho dos outros profissionais e grita AÇÃO e CORTA! O diretor é segundo a tradição cinematográfica aquele que assina a obra e imprime o seu estilo no que faz. "Taxi Driver" é um filme de Martin Scorsese e não do roteirista, do produtor ou do ator principal. Isto está na base da reflexão crítica do cinema enquanto arte, vide o trabalho de Andre Bazin e da Cahiers du Cinema na construção da chamada "política dos autores". Por mais que você resista a admitir (não sem motivos) "Chama Verequete" é um filme de Luiz Arnaldo Campos e Rogério Parreira pois estes são os sujeitos definidores dos meios pelos quais o filme expressa-se enquanto cinema: os enquadramentos, os movimentos de câmera, a decupagem e a mise-en-scène.
A cômoda manobra de se esconder atrás do fenômeno abordado no filme, além de covarde, mostra um desprezo pelo filme enquanto Cinema. É inegável a importância de Mestre Verequete para a cultura local e nacional, como músico e como indivíduo devotado para a expressão artística da realidade de seu povo. Utilizar a "bagagem" de Verequete para justificar a relevância do filme é procurar na música as qualidades que dignificam o cinema. É não acreditar no cinema como elemento importante e autônomo da formação cultural de seu povo. Verequete segundo as palavras de Parreira, é usado como uma muleta que arrasta na sua força a fraqueza de um filme que não se garante.
Fazer cinema sobre Mestre Verequete, Mestre Lucindo ou ainda Benedito Nunes e Lúcio Flávio Pinto quase sempre justifica resultados cinematograficamente superficiais. Imaginem eu, Miguel Haoni, fazendo um filme medíocre sobre o gigante Dalcío Jurandir; em seguida confortavelmente afirmo: "quem não gosta do meu filme é inimigo do Povo, é colonizado, falar mal do meu filme é falar mal de Dalcídio". Muito conveniente não acham?. Fazer novela sobre a Cabanagem usando o estilo de "Chaves" em vez de elevar, só vai diminuir a causa. Como diria Dziga Vertov (roubando Maiakovski): "um conteúdo revolucionário, precisa de uma forma revolucionária" . Ainda vou ver um filme de verdade sobre os nossos heróis do carimbó...

O cinema é universal: em todos os países existem picaretas e gênios. No meu critério Howard Hawks, Ozualdo Candeias, Bong Joon-Ho e Ingmar Bergman tem o mesmo peso, sem diferença. Não defendo um filme por ser pobre, ou rico, ou classe média defendo o filme que mosre a alma de quem o fez. Nesse quesito "O Cordão do Galo" e "Puxirum" são tão grandes quanto "Transformers" e "Avatar". Os quatro são insignificantes.

Pedantismo é a ação de querer aparentar mais do que se é. "Cinema é a música da luz" é frase de um cineasta-imperialista francês chamado Abel Gance. Será que a frase perde o sentido agora? Será que o verso de um francês vale menos que de um brasileiro?
E outra: Cinema = Música da luz, Música = Música. Não vou explicar as palavras de Gance mas estamos falando de artes autônomas e que merecem total respeito dentro de suas naturezas poéticas. O cinema não precisa da música, da psicologia, da literatura, das chamadas "causas humanitárias"  nem de nada para ser maravihoso. O cinema não precisa se envergonhar de ser  cinema. Isso basta.

Miguel Haoni
(aficcionado por Frank Capra e Márcio Barradas)

PS: Preciso declarar minha admiração pelo co-autor de "Chama Verequete" Luiz Arnaldo Campos, um artista que ousa e não se envergonha de assinar suas obras. Ao assistir o seu "Turcos Encantados" não vi ali o meu filme predileto, mas vi que por trás daquelas imagens havia um sujeito que respeitava o seu trabalho e colocava o seu coração nele. Valeu!

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