15.4.08

Sobre o público em Belém

                       
       Uma das maiores sessões da minha vida aconteceu na última sessão maldita, que ocorreu dia 05 às 21:30 no Cine Líbero Luxardo: The Beyond de Lucio Fulci. Nunca pensei que a diferença do impacto seria tão grande na telona. Uma obra-prima do Cinema! Uma verdadeira aula de mise-en-scène, ousadia e sensibilidade. Pena que Lucio Fulci - gênio, filósofo e cinepoeta - ainda é mal compreendido por essas bandas. Ainda visto como um mal palhaço (digo mal palhaço pois este faz rir, apenas; enquanto o bom palhaço faz rir, e faz arte).
       Algo comum nos cinéfilos mais chatos seria cuspir: “Povo ignorante, não diferenciam um Murnau de um Lang, um Ford de um Hawks. Riem nas cenas mais bem decupadas, gargalham num dos finais mais poéticos da história do cinema. Como eles podem sorrir de um filme como Forty Guns de Sam Fuller, achar bobo? Como podem gargalhar em Gritos e Sussurros de Ingmar Bergman ou Pai e filho de Aleksandr Sokúrov? Simplesmente não dá e nem quero entender”.
       Não sei se é esse o procedimento. Simplesmente não sei se vale alguma coisa. A principal discussão da APJCC – da qual faço parte – é esta: o público. Nas nossas ações – desde a primeira: o cine uepa – fazemos debates após as sessões e propomos a educação do olhar para o cinema, para a forma. Por ser uma arte, acreditamos que deve ser julgada enquanto arte. O debate, na verdade, é feito sobre tudo que se pode falar sobre a obra e a partir dela, mas dando prioridade à discussão do filme enquanto arte cinematográfica; deixando claro que prioridade não significa totalidade.
Quando oferecemos nosso serviço de programação da Sessão Maldita 2008 para o Centur, foi fechado que faríamos as sinopses, os textos sobre o autor e foi apresentado um conceito de “Sessão Maldita”, referencial teórico base para as escolhas dos títulos (que disponibilizo na íntegra):
“O cinema, como arte por excelência da cultura de massa, sempre buscou se aperfeiçoar perante um público exigente. Para alguns diretores, talentosos ou não, o reconhecimento foi dado. Para outros, que se dispuseram a destruir algumas regras, o preço foi cobrado. Alguns foram esquecidos, outros foram jogados na ‘lama’. Levando em consideração que o filme é para o público, para ser ‘avaliado’, mesmo que friamente, não há nada mais cruel para o cineasta, do que a invisibilidade da obra. Daí o nome ‘maldito’. E contra essa ‘maldição’, nada melhor que um grande remédio: a (re)descoberta. A ‘sessão maldita’ leva o público a refazer esse caminho, com algumas obras transgressoras, independente do gênero. A sessão contribui para este novo olhar, um olhar que outrora foi tirado do espectador, mas que agora, tem a chance de re(nascer).” (Aerton Martins)
Há uma usual mitificação do termo “maldito”, sendo comumente associado à “algo chocante” “ousado”, etc... Sim, pode ser tudo isso, mas nada disso importa. Nunca a APJCC exibiria, por exemplo, um filme que não considerasse interessante esteticamente apenas pra divertir ou chocar o público. O texto acima explica a intenção séria da Associação. O grande problema é que em Belém ainda se confunde Cinema com circo (o mal circo). E APJCC fala muito sério quando fala de Cinema.
       Já fui a platéia que riu e o cinéfilo que se chateou. Ainda sou um estudante de cinema, e sempre o serei na verdade. Tenho mais conhecimento que alguns e menos que outros. Aprendi algo porque os que tinham mais conhecimento me ensinaram, me proporcionaram reflexões novas ou me cederam novos materiais. Também não vou entrar na discussão de “gosto é gosto, não gosto de cinema de horror e nunca vou gostar”. Pressuponho que quem gosta de cinema, gosta de cinema, e quem gosta de cinema conhece a estética cinematográfica e reconhece uma obra de valor. E se for entrar em discussão apresentam-se argumentos objetivos. Nem falo sobre ganhar ou perder, mas discutir, e discussão se faz com argumentos, ou não se faz.
       Enfim, chegando onde quero chegar, público nenhum nasce sabendo, público se forma, como todo mundo em tudo. Creio que cabe a APJCC - enquanto associação que estuda cinema e pretende promover a discussão cinematográfica entre iniciados e a educação do olhar entre iniciantes – a discussão pública deste “problema”. Resolução nunca existirá de problemas, muitos menos sociais, culturais, etc. Mas discussão vale, e muito! Será muito complexo e haverão muitas discordâncias. Ainda bem.


 


Mateus Moura