31.1.09

Desconstruindo Woody Allen em fevereiro no EGPa

CINE EGPA apresenta: Ciclo Desconstruindo Woody Allen




Existem imagens que, de tão fortes, se tornam familiares antes mesmo de um mergulho ontológico. Um vagabundo com um bigode estranho, sapatos largos, bengala e chapéu-coco; um homem barbudo com unhas imensas, capa, cartola e um falar estranho num discurso profético.
Existem ícones cinematográficos, rostos, corpos que se tornam mitos. Woody Allen é o little man de óculos pretos de aros grossos, roupas desajeitadas, neurótico, nova-iorquino, emocionalmente abalável, cético, sarcástico, depressivo... este o ser-ícone criado, imortalizado na imagem-corpo de um autor, escritor, ator; que se expressa, entre outras linguagens, através do cinema – a que nos interessa.
Desconstruir Woody Allen é como desmontar um quebra-cabeça. Ao remontar, observaremos a imagem familiar (estranha) com outros olhos, já iniciados nos espaços onde as peças se encaixam, onde as peças faltam e onde as peças são nossas.

Mateus Moura




Programação:


05/02 - Noivo neurótico, noiva nervosa (Annie Hall, Woody Allen, 77, cor)



O nome de Woody Allen vem sempre à nossa mente acompanhado de outras imagens: jazz, humor, dramas afetivo-sexuais, o mundinho intelectual novaiorquino, mulheres, neurose, etc... “Noivo neurótico, noiva nervosa” é provavelmente o trabalho que melhor incorpora esses fatores. Ao acompanhar todas as fases do relacionamento entre o comediante Alvy Singer (Allen) e a “bela” cantora Annie Hall (Diane Keaton), o ainda jovem diretor nos apresenta diálogos hilariantes, cenas de uma sensibilidade única e interpretações marcantes. Um Woody Allen essencial para todos aqueles que amam o cinema, “Noivo neurótico, noiva nervosa” nos deixa duas certezas: 30 anos depois poucos falaram sobre relacionamento como esse judeu do Brooklin e ninguém, na opinião de muitos, foi tão brilhantemente engraçado ao fazê-lo.

Felipe Cruz
(Cineuepa, 2007)



12/02/08 - Maridos e esposas (Husbands and wives, Woody Allen, 92, cor)


26/02/08 - O sonho de Cassandra (Cassandra's Drems, Woody Allen, 08, cor)


 


SERVIÇO:
Quintas-feiras às 18:30h
No auditório da Escola de Governo do Pará
(Av. Almirante Barroso, 4314, Souza, ao lado do Colégio Pedroso)
ENTRADA FRANCA

20.1.09

Textos da APJCC sobre "A Troca"


 


Das trevas ao coração



Lang, Fuller, Ford, Hawks, Hitchcock, Leone, Siegel. Filho de um western spaghetti e de um policial pós-noir (moderno), herdeiro de um cinema (clássico) americano. “O mais clássico dos modernos, o mais moderno dos clássicos”, alguém disse, serve perfeitamente pra Leone, acredito; cabe em Clint. Ficar repetindo que Clint Eastwood segue a premissa de um cinema clássico por apresentar uma “narrativa clara” soa meio estranho dentro de Hollywood, já que, produtora ainda hoje de contadores de estórias, preza pelo grande público (que espera uma estória palatável narrativamente). Clint – verdade seja dita - sabe agradar este público: oferece uma grande estória, com muita emoção (e ação) e uma narrativa clara (o que não quer dizer convencional, ou comportada). Seus filmes vendem muito bem. Graças a deus.
Existem níveis de leitura.
Clint Eastwood diretor: amadurecimento de uma imagem-clint: a complexidade de um cavaleiro solitário das trevas que acumula rugas e cavalga a melodia melancólica de cada nova nota. Existem os filmes em que atua (e aí entra a imagem-clint, que sai das trevas pra ganhar mais uma ruga, e voltar), e existem os filmes em que não atua.
A troca (The changeling) Clint “apenas” dirige. Desta vez são: a mãe coragem que perdeu o filho, o psicopata injustificado, o garoto inocência perdida, as famílias de filhos brutalmente assassinados, e resumindo: o espectador - na catarse - que mergulhará nas trevas que a música de Eastwood vai melancolicamente encharcar.
É normal na crítica defender ou criticar um filme de Clint Eastwood pelos motivos errados. Por exemplo, elogiar um filme policial como “Dívida de sangue” pela trama bem amarrada na descoberta do vilão (enquanto existe uma reflexão sobre o envelhecimento de um corpo que atravessou a história cinema, além de metalinguagem do próprio gênero e sua arqueologia significante, etc – todas reflexões que só Clint poderia fazer, e faz). E: criticar um filme como “Sobre meninos e lobos” (ou mesmo “A troca”) porque os personagens fazem um “tipo afetado”, “que vivem chorando”... enfim, é como nos dramas dos Átridas, é trágico, é triste... não seria este o cinema de Clint quando não atua: um cinema de lágrimas?
É trágico, vazio e solitário o fim da travessia dos seus personagens. Não existe redenção para o personagem clintiano! O filme acaba, os créditos sobem, a música caminha para os últimos acordes... limpamos as lágrimas e saímos da caverna.
O que é a essência de um autor como Clint Eastwood? Onde se deve procurar o coração dos corações!?
Sempre foi problemática a noção de autor na sétima arte. Um homem pinta um quadro, uma mulher escreve um livro. Clint Eastwood nunca escreveu seus roteiros, e a maioria foram adaptados de livros. A questão é: Sabemos que vemos um filme de Clint Eastwood... porquê?
Se gastam palavras e palavras falando sobre o roteiro dos filmes do velho mestre – existe uma velha mania de recontar o óbvio. Será que é por aí que se procura? Por exemplo: 90 % de um texto falando todo o percurso que Collins faz no processo (kafkiano) social e uma conclusão do tipo: “Clint, o bom e velho mestre, com sua linguagem clássica, nos dá mais um belo e emocionante filme, crítico e atual”. È óbvia uma reflexão do cineasta na questão da Justiça, da América, da Democracia, da Jurisprudência em sua filmografia; corrupto ou justiceiro, ou os dois ao mesmo tempo, Clint sempre questionou as instituições e a decisão – sempre complicada - de uma punição ou de uma remissão. Falar que o filme é maravilhoso por isso é pouco para um cineasta como este – é o mínimo. A questão da crítica social em ‘A Troca’ é um coração do filme, assim como a bela produção: reconstrução de uma época, com direito à nostalgia de abertura da Universal e fotografia que começa e termina em preto e branco. Lindo! Dois corações, mas procurar O!
A questão talvez seja por aqui: uma troca de olhares, um olhar de esperança, um último olhar. Não falo apenas das personagens. Quando a câmera se posiciona em primeiro plano e a personagem olha para fora do quadro, no raccord veremos o que ela olha, seremos um só olhar. Identificação: o drama de um personagem, durante a projeção, é o nosso drama, o drama do eu que é nós. É o drama! É o melodrama? Clint Eastwood constrói os primeiros 15 minutos do filme de modo inesquecível, são últimos olhares, que ecoarão nas caixas de nossas memórias a cada troca de olhar da personagem com o outro, a cada olhar de esperança da personagem com o desconhecido. É necessário apenas um acorde, uma atmosfera, as trevas pesam sobre nós, o coração bate; resgatamos, na caixa, a memória daquele último olhar.
A música emocionante, chorada, melancólica de Clint talvez seja a chave para entender que ele, além de fazer diversos e excelentes filmes de gênero, críticos éticos e sociais, intertextuais à sua obra e a uma arqueologia do cinema; também, na unidade de seu percurso, faz uma elegia: todos os seus filmes (policiais, westerns, love stories, war movies, tragédias) constituem um verso a mais num grande poema lírico e triste: uma elegia sobre os extremos humanos: as trevas e o coração.

Mateus Moura (http://cinemateus.blogspot.com/)




 



A coerência de um artista




Em meio à artilharia pesada que agride o cinema atual- vide os conceitos fetichistas do último Gus Van Sant – vemos pelas paragens perigosas dessa arte um certo grupo de corajosos. David Fincher peitou seu próprio cinema ao realizar o supremo “Zodíaco”, obra que apara os excessos de suas obras anteriores e desnuda magistralmente o que está na periferia, e não no centro da narrativa. Gritinhos histéricos partiram de seus seguidores, que o acusaram de abandonar seu estilo. Existe estofo cinematográfico de sobra na trama onde o que importa ,de fato, é a profundidade do corte dado nos personagens. James Gray também faz parte desse grupo e entrou na luta. Dada a simplicidade de sua operação, em os “Donos da Noite”, o cineasta assumiu um grande risco dando ao público a história de uma família destruída, utilizando apenas a viga do cinema clássico.
Clint Eastwood foi criado nesse terreno crível, verdadeiro, e em “A Troca”, o cineasta abraça novamente sua sensibilidade. Há uma mulher, Christine Collins, que sofre com o desaparecimento de seu filho. Enfrenta o Departamento de Polícia de Los Angeles e come o pão que o diabo cuspiu. Seu filho, Walter, é o motivo de toda a busca, o garoto aparece em travellings funcionais e soberbos: na escola e em sua casa. Não temos tempo de nos identificar com a criança. A cena onde a mãe fala aos policiais sobre as circunstâncias do sumiço do filho é um exemplo de como o Eastwood acredita em uma decupagem silenciosa e sutil: a câmera recua e vemos a curiosidade dos vizinhos.
Dirão alguns que o desenvolvimento da narrativa é simples, vulgar, ou que a trama paralela viola o andamento da protagonista em sua jornada. É dentro dessa violação que temos uma das grandes e fortes sequências da obra: o interrogatório de um garoto. O cigarro, o ritmo conciso e o policial. Clint Eastwood é cineasta, herdeiro do noir, Don Siegel, John Ford e Samuel Fuller e nos legou mais uma obra sedutora. “A Troca” expõe a grandeza de um artista: preocupado tão somente em espreitar e alcançar a coerência da vida e da arte que o escolheu.


Aerton Martins (http://cinemanamangueirosa.zip.net/)