21.9.09

Uma arte chamada cinema



Das 41 linhas do texto de Luzia Miranda Alvares sobre o filme do ano (Inimigos Públicos) 29 são para nos contar o enredo. Das parcas 12 restantes, nada se fala sobre o que realmente interessa... Não, tudo bem, vamos ser generosos, existe uma linha (a última) que a nossa maior crítica se detém sobre a questão cinematográfica, lá está:
“Trabalho interessante de um diretor muito talentoso.”
Afinal, Luzia Miranda Alvares é crítica de que? De cinema?... Afinal, Inimigos Públicos é obra de que? De cinema? ...
Acreditamos, quando lemos críticas deste viés, que o cinema deveria ser apresentado como uma arte plástica antes de ser uma arte narrativa, simplesmente para tentar sanar o velho vício da repetição da estória, da recontação do enredo. É impressionante, mas ainda se acredita que a beleza de Inimigos Públicos ou Up está no o que é dito e não no como. O cinema americano tradicional não é um veículo para se contar uma estória, mas uma ferramenta; e é daí que vem toda a confusão.
Luzia Miranda Alvares vem de uma tradição de críticos que não serviram para nada a não ser alienar gerações de cinéfilos tapando seus olhos e seus ouvidos para o que há de mais essencial nessa arte. Afinal, se o cinema é só contar uma estória, porque tantos diretores bateriam tanto a cabeça com elementos (ou “racionalidades estéticas insensíveis”) como enquadramento, mise-en-scène, movimento de câmera, montagem, som, luz?
Ser escritor de sinopses opinativas, ou produtor de resenhas estéreis, ou narrador de superficialidades, ou aplicador de adjetivos, ou enterteiner jornalístico, ou esbanjador de enciclopedismo primário, sem dúvida não é ser crítico de cinema. Conhecer uma obra cinematográfica não é conhecer o ator, o produtor, o diretor, o ano em que o filme foi feito e quantos “oscares” ele levou, mas conhecer sua linguagem, seu estilo, seu autor. O papel do crítico de arte é dialogar sobre algo que interesse enquanto pensamento acerca da experiência estética durante e após a contemplação da obra de arte. E isso não quer dizer que um crítico não tenha a possibilidade de ser bom por questões geográfico-econômicas ou etárias, em um país subdesenvolvido como o Brasil, jovens como Ruy Gardnier são lidos gratuitamente na internet e sabem do que falam; sobre o papel do crítico ele diz: “Creio que o papel de um crítico é iluminar certos aspectos artísticos e influenciar seu leitor a observar além da superfície da obra (a intriga, os atores etc.) e travar contato com sua criação expressiva”.
Inimigos Públicos não é a obra que é pelo trabalho de reconstrução (competentíssimo por sinal) da produção, mas pela permanente reconstrução plano a plano da geografia em que John Dillinger está imerso. A cena em que Dillinger é morto é um belo exemplo, ali Mann utiliza todo seu arsenal estético-técnico: a mise-en-scène da multidão entre John e seus algozes, a câmera lenta utilizada no momento certo dilatando a duração dramaticamente, a decupagem em singles-shots (planos que colocam um só personagem em destaque)... “Mise-en-scène”, “câmera lenta”, “decupagem”, “single-shots”, palavras pouco vistas nos textos escritos diariamente para O Liberal na coluna Panorama... Falar sobre Cinema é falar sobre Tempo e Espaço e não sobre o tempo da lei seca e o espaço de Chicago. Falar sobre Cinema é falar de duração, corte; enquadramento, extracampo.
Tudo bem, é importante localizar o filme em seu contexto histórico, principalmente do gênero gângster (um gênero histórico), mas basta 1 linha.
1 linha para falar de cinema e de Michael Mann sobre Inimigos Públicos, e: “Trabalho interessante de um diretor muito talentoso” é fazer qualquer coisa, menos crítica de arte, não dessa arte chamada cinema.

p.s: se os textos acerca dessas questões estão sendo publicados na coluna 'Panorama' do jornal 'O Liberal', peço que este componha a discussão.
p.s2: texto de Luzia Miranda Alvares que é citado: http://www.blogdaluzia.com/2009/07/inimigos-publicos.html

(Cauby Monteiro & Mateus Moura, APJCC-2009)

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