"Sangue das Bestas", de Georges Franju
Sangue das Bestas: Um dos primeiros exemplos de ultra-realismo. Este filme contrasta a tranquila e apática vida na periferia de Paris do pós guerra com a dura e ensanguentada condição de dentro dos matadouros. Descreve o destino sangrento dos animais abatidos de maneira extrema.
A carnificina é explanada feito um manual de aprendizagem. Os açougueiros, já indiferentes ao martírio dos bichos devido aos anos de prática, são um a um apresentados pelo nome e sobrenome, como campeões de natação a poucos minutos de um torneio olímpico. O jeito como eles reduzem um boi com mais de 200 quilos a pequenos filés é admirado tal qual um gênero artístico à parte. É penoso observar uma fileira de corpos decapitados se debatendo, os nervos ainda vivos, lançando centelhas elétricas às patas, todas frenéticas, enquanto o sangue jorra das fendas provocadas por facões afiados. Mas existe algo de especial nessa plasticidade toda, algo poético, por mais bizarro que isso possa soar. Além disso, a repugnância dos atos retratados faz nossa atenção voltar-se, claro, para a imundície na qual esses estabelecimentos funcionavam (poças de sangue por todos os lados, estômagos e fígados esvaziados entre um gancho e outro, cabeças postas lado a lado no chão, a serem carimbadas e numeradas). A narração abafa o som natural, todavia é possível presumir os gritos e ruídos assustadores que de lá emanavam constantemente. Franju maneja seu objeto de trabalho (a câmera) com a mesma frieza com que seus açougueiros-protagonistas movimentam a faca ou os demais utensílios de extermínio; por fim, a natureza e seus apelos alimentícios são exibidos sem atenuações, tudo em ponto de cru, uma obra de difícil digestão.
"Os Mestres Loucos", de Jean Rouch
Os Mestres Loucos: Filmado em apenas um dia, o filme revela as práticas rituais de uma seita religiosa. Os praticantes do culto Haouka, trabalhadores nigerienses reunidos em Accra, se reúnem à ocasião de sua grande cerimônia anual. Na ‘concessão do grande padre Mountbyéba, após uma confissão pública, começa o rito da possessão. Saliva, tremedeiras, respiração ofegante…são os signos da chegada dos ‘espíritos da força’, personificações emblemáticas da dominação colonial : o cabo da polícia, o governador, o doutor, a mulher do capitão, o general, o condutor da locomotiva, etc… A cerimônia atinge seu ápice com o sacrifício de um cão, o qual será devorado pelos possuídos. No dia seguinte, os iniciados retornam às suas atividades cotidianas.
Sobre os filmes:
Os títulos aqui reunidos, além das evidentes intenções em documentar fenômenos desconfortáveis para o tendencioso olhar da "civilização" capitalista, atingem lugares esquecidos do inconsciente e levantam reflexões profundas sobre a poesia latente da realidade filmada.
Radicalizando o ideal clássico de que o Belo artístico confunde-se com o Bom e o Verdadeiro e o ideal barroco que concebe este mesmo Belo a partir da desarmonia, do conflito entre profanação e transcendência, Franju e Rouch abordam os fenômenos ao mesmo tempo com absoluto rigor estético, claras intenções discursivas e também com uma virgindade de olhar que busca incessantemente a eloquência primordial e inerente das próprias imagens.
É precisa antes de tudo olhar, como dizia Jean-Luc Godard.
O mal-estar derivado da violência e imundície destas imagens obriga o espectador portanto a contemplar seus próprios abismos e o frágil alcance de sua confortável hipocrisia.
Recusando qualquer beleza que não provenha do real em sua totalidade, "Sangue das Bestas" e "Os Mestres Loucos" apontam despreocupadamente a nudez do Rei e este reconhecimento ressoa diretamente na guerra de nervos entre o cinema como espetáculo oco para os nossos sentidos e a poesia de imagens livres e libertadoras.
Miguel Haoni (APJCC - 2011)
Serviço:
13 de outubro (quinta)
às 18h30
no cineteatro do CCBEU - Tv. Padre Eutíquio, 1309
ENTRADA FRANCA
Realização: APJCC e CCBEU
Apoio: Cineclube Amazonas Douro
Mais informações:
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Fone: (91) 8717-9683
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