11.2.09

Luta e cineclubismo na terra da realidade

Artigo feito para a 2ª edição da revista eletrônica GOTAZ. Encomendado sob o tema: luta. A APJCC se sente honrada em fazer parte desse grupo talentoso e lutador.


 


segue link da revista:


http://issuu.com/gotaz/docs/gotaz02?mode=embed&documentId=090204201727-8801159dff0748b7bef5626269412c72&layout=grey


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Exterior. Dia. Bar. Conversa pelo telefone.
-Luta.
-Luta? Mas luta de que?
-Ah... qualquer luta, desde a física até a luta pelas idéias. Luta...
-Ah... beleza. Saquei. Dia 31 a gente entrega então... Gotaz né?
-É. Gotaz.


Luta e cineclubismo na terra da realidade




É inevitável. Toda luta – para o lutador – é inevitável. Está no destino como a locomotiva nos trilhos. É irrefreável. Pode ser ridícula, solitária, ilógica, inútil... só existe, não poderia ser de outro jeito. Falamos aqui de algo irracional, de uma paixão lancinante, de um frêmito físico. O lutador é um apaixonado! Um teimoso! O lutador luta porque acredita que é necessário. Não falamos aqui de possibilidade, mas de necessidade: Fazer ou morrer! Não fazer o que dá para ser feito, mas fazer o que tem que ser feito. E sujar as mãos se for preciso.
A nossa luta é pelo cinema.
Nossa postura política consiste na divulgação gratuita de uma cultura cinematográfica mundial e na formação de um homem crítico – promovendo não só uma reflexão estética, mas moral, existencial. Acreditamos no Filme como uma fonte inesgotável de vida, de conhecimento, com tudo de infinito que ele pode oferecer. A questão estética se configura para nós como o mais sério de todos os assuntos, e o respeito a ela é fundamental.
Apesar da aparente nobreza da causa, muitos são os que a ela se opõem, e como todo luta requer oponentes, achamos justo, neste momento, apontá-los.
O cinema, muitas vezes, é visto como algo menos sério. Ou ele é utilizado como ferramenta pedagógica (para chegar nos assuntos considerados mais sérios: política, história, psicanálise, etc...) ou é visto como “mero” entretenimento. Uma das nossas maiores defesas é a questão do tratamento da obra de arte enquanto tal, o respeito à sua autonomia, pelo exibidor e pelo espectador. Utilizar o cinema como ilustrador de conceitos científicos ou exemplificador de casos clínicos é um problema sério na Academia. Somos contra a redução. O público que vai a uma exibição pública confunde os conceitos de “público” e “privado”. Consideram que podem fazer o que quiserem, afinal: “é de todos”. Erram. A educação foi mal dada. É justamente o contrário. Se faz o que se bem entende no privado, o privado é “meu”, “seu” ou “nosso”. O público não é “nosso”, nem “meu”, nem “seu”. O cinema, talvez por ser uma arte que nasceu como parte do espetáculo de curiosidades circenses, encoraja a baderna. O público, muitas vezes desrespeita uma obra de arte e impossibilita a fruição estética de quem foi à exibição, justamente, assistir um filme. Sonhamos que, um dia, falar no celular durante uma sessão ou ficar avacalhando um filme seja tão criminoso quanto riscar um quadro numa galeria de arte ou berrar durante uma ópera. Constatamos uma diferença entre o público e o espectador, e defendemos este último. Somos contra a demagogia.
Muitas pessoas utilizam o cinema como ferramenta para auto-promoção no seu círculo social e dizem que amam a sétima arte para ganharem ares de românticos e conquistarem seus companheiros sexuais. Muitos organizam cineclubes e fazem a política da boa vizinhança acatando tudo que o público manda ou sugere. Não há confrontamento, não existe reflexão com o que é exibido, pouco importa a qualidade dos filmes; a máxima é agradar. Ser amados, só querem ser amados. Nós entendemos; só pisam no nosso calo quando utilizam o cinema como remédio para suas frustrações.
Há, também, os que lucram - com uma boa dose de pedantismo e mesquinhez. Durante nosso percurso de amadurecimento crítico, muitas (falsas) lendas – que cantam seus 20 anos de crítica em nossa cidade – foram derrubadas. O cineclubismo, chegamos à conclusão, é um sacerdócio – e tem que querer ser um sacerdote, para não desvirtuar o Deus (Cinema) em ego. Quanto às questões políticas de exibição e posturas alheias, quando se trata de cinema, estamos prontos a analisar e opinar, a aplaudir e a vaiar. Somos contra uma posição de letargia intelectual ou da lei do silêncio no jogo político. Para nós, ninguém é inatacável. Somos a favor, sempre, de uma postura crítica. É o que chamamos de “liberdade pra falar disponibilidade pra ouvir”.
Outro fato sério: Não há amor na burocracia. Os milhares de papéis necessários para fazer um projeto sair do papel não comportam (e nem suportam) a paixão daqueles para quem aquele projeto é vital, para quem acredita que é preciso fazer, que é preciso se mexer, que é preciso apanhar. E a surra que levamos é pesada e implacável na sua indiferença pela arte. Apanhamos quando exigem que nos retiremos da sala de exibição interrompendo os diálogos “sem importância” que acontecem depois dos filmes. Tiram sangue de nós quando não nos garantem as contra-partidas mais elementares para que as sessões aconteçam (uma caixa de som, um datashow, um dvd). Quebram nossas pernas quando precisamos implorar que nos deixem trabalhar, que nos deixem realizar por completo o nosso amor pelo cinema. E é quando amarram uma corda no nosso pé e nos puxam insistentemente para a realidade do que “pode ser feito” e não do que “tem que ser feito” que a face mais vergonhosa, cruel e desprezível das instituições, que são formadas antes de tudo por pessoas, aparece.
Considerando a dimensão dos oponentes apontados, uma questão se impõe para nós: Vale a pena?
A resposta nos é dada quando, sob a luz fantasmagórica da sala de exibição, os velhos lutadores que viveram e morreram em função de sua arte e ofício, sentam ao nosso lado e sussurram com a câmera uma verdade inevitável: os últimos 113 anos foram testemunhas de uma História fabulosa na qual o Cinema se impôs, através das mãos destes senhores, como o mais brilhante produto de nosso tempo. Tratamos aqui dos velhos mestres, dos verdadeiros mestres, dos grandes autores de grandes obras. É por eles, e ao lado deles, que lutamos. E a cada grande filme que desfila diante de nossos olhos ganhamos para continuar lutando. Porque não temos opção, não temos. Ficar nos nossos quartos pra sempre, vendo filmes e discutindo entre amigos não é uma opção para nós. Tanta paixão não aceita ficar retida, tem que transbordar. E se continuamos transbordando, mesmo quando fazem de ridículo o bom palhaço, quando tomam por mau palhaço o grande artista, é porque por mais que sejamos espancados, por mais que percamos muitas lutas, nunca ninguém nos derrubou. Porque a resistência maior é continuar. E já nos é impossível deixar de continuar.


Epílogo:
O final romântico atualmente não agrada boa parte do público. O que podemos fazer? Mais um texto sem esperança? Os experientes dirão que os jovens inocentes não sabem do que falam, que é só uma questão de tempo. A verdade é que não
sabemos o que será de nossas vontades, de nossas lutas. Não acreditamos nas nossas verdades. Mentimos. O lutador é um mentiroso, é verdade! Um mentiroso porque diz as verdades que nem ele acredita. O próprio cinema mente – para dizer a verdade – 24 vezes por segundo.
O tesão é a verdade do lutador! A vontade irracional de fazer o que deve. Acima das culpas, das coações, da família, dos inimigos, do gongo. A vida volta à vida. A vida pela vida. O cinema pelo cinema. Este – o texto pelo texto. O lutador é – luta. É inevitável.

Felipe Cruz, Mateus Moura e Miguel Haoni – membros da APJCC

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